A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença rara, genética e neurodegenerativa. Com incidência de 1 a cada 10 mil nascidos vivos no mundo, se destaca como a principal causa genética de mortalidade infantil segundo a literatura científica. No Brasil, de acordo com levantamento recente realizado pelo Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname), a doença acomete pouco mais de 1,5 mil brasileiros. Causada por alterações genéticas que afetam as células nervosas da medula espinhal – responsáveis por controlar os músculos –, a doença impacta progressivamente funções vitais básicas, como capacidade motora, deglutição, fala e respiração.
Na AME, os neurônios motores morrem devido à insuficiência da proteína SMN (sobrevivência do neurônio motor) produzida pelo gene SMN1. Assim, ocorre o declínio progressivo da atividade muscular que pode resultar na paralisia total. De acordo com o médico neurologista e neurofisiologista Marcelo Raffo, do Hospital Moinhos de Vento e da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a doença pode afetar pessoas de todas as faixas etárias. Assim, é subdividida clinicamente em cinco tipos – de 0 a 4 –, definidos pela idade de início dos sintomas e pelas habilidades motoras comprometidas.
O tipo 0 é a forma mais grave, com início ainda no período pré-natal. “Além de acometimento motor e respiratório, demandando suporte ventilatório nos primeiros minutos ou horas após o nascimento, os pacientes podem apresentar dificuldade de alimentação com grave disfagia e incapacidade de sucção para mamar. Além disso, podem haver alterações cardíacas e cerebrais importantes”, detalha o médico. Nesta manifestação, a expectativa de vida é muito baixa e raramente ultrapassa os seis meses de idade, podendo levar ao óbito nos primeiros dias ou semanas de vida.
A AME tipo 1 é a manifestação mais comum da doença, correspondendo a cerca de 60% dos casos reportados em literatura. Neste tipo, os sinais e sintomas têm início antes dos seis meses de vida e incluem dificuldades respiratórias; motoras – a criança não desenvolve a capacidade de se sentar sem suporte e tem perda da maioria da movimentação ainda no primeiro ano de vida; e de alimentação, com o acometimento de músculos da língua e faringe podendo necessitar de suporte nutricional via tubo gástrico. “A adoção de cuidados respiratórios e nutricionais proativos neste subtipo pode reduzir em 30% a mortalidade antes dos 2 anos”, orienta o especialista.
Na forma intermediária – AME tipo 2 –, os sintomas se manifestam entre os 6 e 18 meses de vida. Estudos mostram que, mesmo com todas as limitações, esses pacientes chegam à idade adulta. No entanto, apresentam mortalidade precoce em relação à população em geral. Já o tipo 3 atinge cerca de 13% dos casos e os primeiros sintomas aparecem após os 18 meses de vida, mas a progressão da doença pode levar, por exemplo, à perda da capacidade de andar. A expectativa de vida desses pacientes pouco se diferencia da população não afetada.
Branda
A forma mais branda – AME tipo 4 – é a mais rara, com apenas 5% dos novos casos. O médico relata que os primeiros sintomas aparecem a partir da segunda ou terceira década de vida, e os pacientes frequentemente apresentam sinais de fraqueza e fadiga muscular. “As características desse grupo incluem perda gradual e cumulativa de funções motoras, com sinais identificados em pequenas ações do dia a dia”, enfatiza. Com o passar do tempo, atividades consideradas simples como levantar, subir escadas ou mesmo andar se tornam cada vez mais difíceis, impactando a vida escolar, profissional e as relações afetivas.
Diagnóstico
Como a AME é uma doença rara, em qualquer suspeita clínica o paciente deve ser submetido ao teste genético para diagnóstico. O exame é feito por meio de coleta de sangue, saliva ou raspado de bochecha para a extração de DNA e análise quantitativa do gene SMN1 que, se apresentar deleção, indica a doença. O cuidado adequado da AME gera uma infinidade de inseguranças, compromissos terapêuticos, tempo e dedicação da rede de apoio para atender às demandas impostas aos pacientes, principalmente pelas limitações físicas.
De acordo com o médico, todas as fases da jornada desde o diagnóstico, especialmente nos pacientes jovens e adultos, precisam de atenção e esclarecimentos, tratando com naturalidade questões sobre adolescência e vida adulta, sexualidade, planejamento familiar, impacto social, físico e mental. “Do mesmo modo, deve haver inclusão e acessibilidade para que a pessoa com AME tenha mais autonomia e qualidade de vida”, ressalta.