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Diagnóstico clínico e laboratorial

Escrito por: Fernanda Ortiz

Na ausência de uma vacina e de exames com alta performance de detecção para casos oligossintomáticos e iniciais da doença, as principais armas contra a hanseníase são o diagnóstico precoce e o tratamento. Como nas fases iniciais os sintomas e sinais podem ser discretos e até confundidos com outras enfermidades – especialmente nas formas paucibacilares – é fundamental que o médico observe com atenção relatos e queixas dos pacientes. Os especialistas alertam que a falta de conhecimento sobre a hanseníase, especialmente por parte de profissionais da saúde, contri­bui para diagnósticos tardios com evolu­ção significa­tiva e incapacitações físicas impor­tantes. Entre as sequelas decorrentes da ausência de tratamento estão a perda de sensibilidade no local das manchas e a incapacidade de elevar o pé, de estender os dedos e punhos, e de fechar os olhos (lagoftalmo).

A pesquisadora Roberta Olmo Pinhei­ro afirma que o diagnóstico é realiza­do por meio da Avaliação ­Neurológica Simplificada (ANS). Esta anamnese ­abrange valorização de queixas neuroló­gi­cas (mesmo que imprecisas), histórico detalhado do paciente, exame clíni­co geral e dermatoneurológico para identificar lesões ou áreas da pele com alteração de sensibilidade, comprome­timento de nervos peri­fé­ricos, alterações sen­si­tivas, motoras ou autonômicas. “Além disso, é importante saber se o indivíduo convive com pessoas acometidas pela doença e se reside em região endêmica”, ­comenta. Assim, devem ter como suspeita de diagnóstico os indivíduos que ­apresentem manchas pardas, esbranquiçadas ou avermelhadas na pele, sensação de formigamento em mãos e pés, dor ou sensibilidade na topografia dos nervos periféricos, aumento do volume facial ou dos lóbulos da orelha e feridas indolores em mãos e pés. Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser confirmado no nível da atenção primária à saúde.

Para confirmação de diagnóstico podem ser solicitados exames complementa­res como, por ­exemplo, a baciloscopia direta para bacilos ­álcool-ácido resistentes (BAAR). “Este exame laboratorial tem por objetivo detectar a presença do bacilo e estimar a carga bacilar a partir de esfregaços de raspado intradérmico. Como o bacilo tem preferên­cia pelas partes mais frias do corpo, como cotovelos, joelhos, pés e lóbulos da orelha, onde há menor circulação de sangue, essas são as áreas indicadas para realização do esfregaço”, explica a médica especialista em Hansenologia Isabela Maria Bernardes Goulart, ­professo­ra doutora titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Fede­ral de Uberlândia (FM-UFU) e coordenadora do Centro de Referência Nacional em ­Dermatologia Sanitária e Hanseníase (CREDESH) do Hospital de Clínicas da Instituição. Apesar de alta especificidade, baixo custo e execução simples, o exame tem baixa sensibilidade podendo negativar nos casos paucibacilares – o que não deve excluir o diagnóstico. A pesquisa do bacilo também pode ser feita por meio de colorações especiais em fragmentos de biópsia de pele, nervos, linfonodos e outros órgãos, para avaliar a carga bacilar apenas no fragmento analisado.

O exame histopatológico é indicado nos casos em que o diagnóstico persiste indefinido mesmo após a avaliação clínica e baciloscópica. Na biópsia de lesões cutâneas, amostras da pele são ­coletadas preferencialmente das bordas das lesões mais ativas e recentes, enquanto as de nervos periféricos analisam fragmentos do tecido nervoso. Exames eletrofisiológicos, ou outros mais complexos, podem ser solicitados para identificar comprometimento cutâneo ou neural e para realizar diagnóstico diferencial com outras neuropatias periféricas. Em crianças, o diagnóstico exige ­avaliação ainda mais criteriosa por causa da dificul­dade de aplicação e interpretação dos testes de sensibilidade. Segundo a médica, ­apesar de não poder ser usado ­isoladamente como diagnóstico, o teste rápido da hanseníase está aprovado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para uso exclusivo na investigação de contatos de casos confirmados.

“É um exame imunocromatográfico capaz de determinar qualitativamente a presença de anticorpos IgM anti-M. leprae em amostras biológicas de soro, plasma ou sangue total. A determinação do resultado é realizada por análise visual, não necessitando de outros equipamentos para leitura”, acrescenta. Recentemente, houve avanços no diag­nóstico com a incorporação de exames sorológicos e moleculares no SUS, visando rastrear a população infectada e diagnosticar a doença. Um exemplo é o Kit NAT ­Hanseníase, teste molecular baseado na metodologia de PCR que detecta o DNA de M. leprae, auxiliando na detecção precoce. O teste foi incorporado ao SUS em 2022 para diagnóstico de hanseníase em amostras de biópsia de pele.

O Kit NAT Hanseníase foi desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria em parceria com o Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). O exame obteve registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é o primeiro teste molecular comercial para hanseníase desenvolvido no Brasil. O teste foi incorporado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) para diagnóstico de hanseníase, em amostras de biopsia de pele, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme Portaria nº 78 publicada no Diário Oficial da União nº 1, seção 1, página 42, em 03 de janeiro de 2022.

Ações de controle

Fundamentais na linha de cuidado, os profissionais da atenção primária atuam desde a busca ativa de novos casos até o término do tratamento e a alta por cura. “A assistência, especialmente das equipes de Enfermagem, inclui notificação e investigação de caso, busca ativa por contatos domiciliares e monitoramento do tratamento farmacológico presencialmente, com a administração de dose supervisionada e orientação ao paciente para as doses no domicílio”, explica a professora adjunta do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Rayla Maria Pontes Guimarães Costa. Outras ações incluem controle não farmacológico com orientação do autocuidado, principalmente em relação a olhos, mãos e pés – regiões mais afetadas pela doença. Além disso, os enfermeiros auxiliam na prevenção de incapacidades físicas, cuidados com lesões traumáticas e neuropáticas.

Ao notificar e investigar um novo caso, a Enfermagem é responsável por identificar os contatos domiciliares e sociais dos últimos cinco anos antes do início do tratamento com poliquimioterapia. A busca ativa é realizada por meio de ações específicas como avaliação dermatoneurológica simplificada e teste rápido para detecção de anticorpos contra M. leprae. “Quando alguma lesão ou dormência é identificada, o indivíduo é encaminhado para a unidade básica de saúde e um médico fará o diagnóstico definitivo. Caso sintomas não sejam detectados, é recomendada imunoprofilaxia com vacina BCG-ID nos maiores de um ano de idade não vacinados ou que tenham recebido apenas uma dose da vacina BCG-ID prévia”, orienta a docente. A busca ativa é uma ação crucial para conter a transmissão da doença, pois possibilita o diagnóstico precoce e o tratamento, interrompendo a cadeia epidemiológica e prevenindo as incapacidades físicas.

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