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Grave problema de saúde pública

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Um perigo para a saúde das crianças

Escrito por: Fernanda Ortiz

Apesar da redução da mortalidade e da morbidade ­infantil nas últimas décadas, utilizando intervenções baseadas em evidências e novos conhecimentos científicos, uma nova epidemia tem colocado a saúde das crianças em risco. Considerada um grave problema de ­saúde pública em todo o mundo, a obesidade infantil pode ser a porta de entrada para o desenvolvimento precoce de diversas condições crônicas, a exemplo de ­hipertensão arterial, diabetes mellitus, hipercolesterolemia e doenças cardiovasculares, que impactam o desenvolvimento, o bem-estar e a saúde. Impulsionada por fatores genéticos, comportamentais e ambientais, os números sobre a incidên­cia da doença são alarmantes. De ­acordo com um levantamento do Novo Atlas Mundial da Obesidade 2024, publicado pela Federação Mundial de Obesidade e que reúne dados atuais sobre a doença no mundo, o número de crianças e adolescentes brasileiros com sobrepeso ou obesidade, em 2020, era de 34% – o equivalente a 15 milhões de pessoas. Caso o Ministério da Saúde não encontre soluções de prevenção efetivas para o problema a projeção é que, em 2035, a taxa salte para 50%, ou seja, 20 ­milhões.

Descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica em decorrência do excesso de tecido adiposo que resulta em desregulações metabólicas, a obesidade infantil é identificada de acordo com curvas de peso, altura e índice de massa corpórea (IMC) específicas para sexo e idade. “Com etio­logia multifatorial, a condição se relaciona a complexas interações biológicas, hereditárias, genéticas, epigenéticas, comportamentais e socioambientais que podem, sozinhas ou ­conjuntamente, levar a um desequilíbrio entre ganho de peso e gasto de energia”, descreve a médica endocrinologista pediátrica Adriane Cardoso Demartini, preceptora da Residência Médica de Endocrinologia Pediátrica e responsável pelos ambulatórios de obesidade infantojuvenil e de crescimento de prematuros do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR).

A incidência da obesidade e do sobrepeso agravou muito nas últimas décadas, principalmente por causa das mudanças no estilo de vida. “Desde muito pequenas, as crianças têm consumido pouca variedade de alimentos saudáveis como frutas, verduras, alimentos in natura ou minimamente processados. Além disso, estão sendo expostas desde muito cedo a doces, frituras, refrigerantes e outras bebidas açucaradas, gorduras e produtos ultraprocessados que não têm valor nutritivo e podem causar inúmeros prejuízos à saúde”, orienta a endocrinologista. O sedentarismo é outro fator crucial neste cenário, pois as crianças deixaram de brincar e fazer atividades físicas ao ar livre e passam grande parte do tempo dentro de casa em frente às telas de televisão, computador e celular. Outras variáveis contribuem para a condição, como a irregularidade do sono – descrita na literatura como importante modulador de saúde – e os sintomas de ansiedade e depressão cada vez mais comuns nesta faixa etária.

O maior tempo de exposição ao excesso de gordura na dieta também pode desencadear outras doenças crônicas precocemente. Assim, especialistas de todo o mundo têm observado um aumento significativo de crianças e adolescentes com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2 (DM2), um dos problemas crônicos mais frequentemente relacionados ao excesso de peso e, que até pouco tempo, era incomum nesta fase da vida. Como resultado, outras complicações relacionadas a essa enfermidade como problemas oculares, doenças cardiovasculares e renais também passam a aparecer cada vez mais cedo. Diferentemente do ­diabetes ­mellitus tipo 1, que tem como característica uma falha no pâncreas em produzir insulina, no diabetes tipo 2 o corpo produz a substância, mas a insulina não funciona adequadamente.

“Isso acontece porque o excesso de peso leva a um estado de resistência à ação da insulina. Se o quadro de obesidade prevalece, essa alteração metabólica causa hiperglicemia devido à inadequação do ­funcionamento da insulina, apesar de sua existência, às vezes em níveis elevados no sangue (hiperinsulinemia)”, explica a médica gastropediatra Ana Daniela Izoton de Sadovsky, professora adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e membro do Departamento de Gastroenterologia Pediátrica da Sociedade Espiritossantense de Pediatria (SOESPE) – vinculada à Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Apesar de os sintomas da doença serem muito vagos, algumas alterações podem ser um sinal de alerta, a exemplo de cansaço, mal-estar, formigamento nas mãos (mais comum em adolescentes) e ­acantose nigricans (manchas escuras na pele, com textura grossa e aveludada, ocasionadas pelo excesso de açúcar no corpo), principalmente na região de axila, virilha e pescoço.

A prevalência de sobrepeso e obesidade na infância também está associada à hipertensão arterial elevada e à dislipidemia, caracterizada por níveis aumentados de colesterol e triglicerídeos que podem causar riscos de curto e longo prazos. De acordo com a endocrinologista pediátrica Louise Cominato, médica assistente da unidade de Endocrinologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICr-­HC-FMUSP), coordenadora do ambulatório de Obesidade da Instituição e presidente do Departamento de Endocrinologia da Sociedade de Pediatria do Estado de São Paulo (SPSP), crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade têm mais chances de desenvolver precocemente doenças cardiovasculares, obesidade grave na vida adulta, complicações metabólicas, dificuldades respiratórias, como asma e apneia do sono, e desnutrição associada à ausência de nutrientes adequados. “Além disso, há risco para disfunções do fígado, em função do acúmulo de gordura; complicações ortopédicas como dores na coluna e nos joelhos, por causa da sobrecarga das articulações; distúrbios alimentares e condições psiquiátricas, a exemplo de depressão e ansiedade”, alerta.

Puberdade 

A idade em que meninas e meninos passam pela puberdade vem diminuindo ao longo dos anos. A literatura mostra que aproximadamente 40% das crianças com essa antecipação têm sobrepeso ou obesidade, impulsionada pelo padrão alimentar e por estímulos ambientais. “Em meninas, considera-se normal o desenvolvimento das mamas a partir dos 8, 9 anos, com a menarca entre 10 e 12 anos. Entretanto, os hormônios produzidos pelas células gordurosas, abundantes em crianças com sobrepeso, podem interferir na maturação do sistema nervoso central e acelerar todo o processo necessário ao início da puberdade. Nos meninos, aparecem pelos faciais, axilares e pubianos e aumento peniano, com ou sem aumento do volume testicular”, descreve a endocrinologista Louise Cominato. Odor corporal, acne e alterações de comportamento também podem se desenvolver precocemente em ambos os sexos. Na presença desses sinais antes dos oito anos, a recomendação é procurar um endocrinologista infantil para avaliar a necessidade de tratamento para frear a progressão da puberdade.

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