Caracterizada como uma emergência, a sepse representa uma das principais causas de morte no mundo em pessoas hospitalizadas, e é decorrente da interação entre um agente causador da infecção, o hospedeiro e o meio em que vive. Embora estimulada pela infecção, o que caracteriza o quadro é a reação desregulada do sistema imunológico que passa a danificar os órgãos do próprio paciente. Quando a oferta de oxigênio é insuficiente para o funcionamento normal dos órgãos, o quadro pode evoluir para o choque séptico. Por se manifestar de formas distintas em crianças e adultos e ter sintomas parecidos com outras condições, o diagnóstico pode ser desafiador. Para facilitar a identificação dos casos de infecção grave e que colocam a criança em maior risco de não sobreviver, assim como reduzir o impacto da sepse na população pediátrica, um estudo conduzido por pesquisadores de diversos países definiu novos critérios para o diagnóstico da sepse em pacientes menores de 18 anos. Os critérios serão testados em unidades de terapia intensiva de hospitais da América Latina sob a coordenação do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HU-USP) e do Instituto Latino-Americano de Sepse (Ilas).
“Desafiadora, a identificação da sepse pediátrica é diferente dos adultos e inclui uma variedade de sinais e sintomas inespecíficos, em que pondera a imaturidade do sistema imunológico e cardiovascular”, explica a pediatra Daniela Carla de Souza, médica assistente da UTI Pediátrica do HU-USP e autora do estudo. Nas fases iniciais, a criança pode apresentar febre ou baixas temperaturas, sensação de palpitação, cansaço, respiração rápida e ofegante, palidez, mãos e pés frios, redução da quantidade de urina eliminada, alteração do comportamento e fraqueza. Os critérios adotados para sepse pediátrica até o início de 2024 eram baseados no conceito de um pequeno grupo de especialistas de acordo com suas experiências, que nem sempre facilitavam o trabalho de identificação dos médicos. Para a atualização, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) reuniu especialistas de 12 países de alta, baixa e média renda, em seis continentes. Com a participação de um grupo diverso de experts foi possível incluir informações de todos esses países, utilizando técnicas de machine learning, o que permitiu a análise de dados de mais de 3 milhões de pacientes com infecção admitidos nas unidades hospitalares.
A partir do modelo de machine learning, com os dados de recém-nascidos a termo até pacientes com 17 anos com infecção, foram identificados os critérios que apresentavam maior associação com a mortalidade hospitalar. “Os novos critérios estabelecidos com o auxílio da inteligência artificial se mostraram bons para todas as localidades. Entretanto, para aplicar esses novos critérios na prática clínica é preciso fazer uma validação para verificar como funcionam no mundo real, inclusive na população pediátrica brasileira, cujos dados não foram inseridos no processo de desenvolvimento e validação do estudo”, observa a médica Daniela Carla de Souza, que coordenará a validação dos novos critérios.
Confirmação
A pesquisadora alerta que os critérios não devem ser utilizados como estratégia de triagem para identificar a doença, mas sim para auxiliar na sua confirmação e classificação. Os novos critérios são baseados em uma pontuação do Phoenix Sepsis Score – desenvolvido para identificar com maior precisão crianças com infecção e disfunção orgânica potencialmente fatal –, que leva em consideração sinais respiratórios, cardíacos, de coagulação e neurológicos. Para facilitar a divulgação e adoção dos novos critérios no Brasil, assim que validados, a Sociedade Brasileira de Pediatria disponibilizou um resumo para médicos associados. O artigo ‘International consensus criteria for pediatric sepsis and septic shock’ foi publicado em fevereiro de 2024 no Journal of the American Medical Association (JAMA). •