O estudo científico ‘Gut dysbiosis in Chagas disease. A possible link to the pathogenesis’, desenvolvido pela aluna de doutorado de Doenças Infecciosas e Parasitárias da FMUSP, Marcela de Souza Basqueira, em 2020, buscou compreender melhor o papel do microbioma intestinal nos diferentes fenótipos da doença de Chagas. Os pesquisadores avaliaram o microbioma fecal de pacientes com diferentes formas da doença cardíaca, gastrointestinal e indeterminada, e compararam os resultados com controles saudáveis.
O experimento envolveu 114 participantes: 62 com diagnóstico das formas cardíaca (30) ou indeterminada (32) selecionados de um grupo previamente inscrito em uma coorte brasileira (REDS II – História Natural da Doença de Chagas) realizada entre 2008 e 2010, em São Paulo. Também foram incluídos 11 pacientes com a forma digestiva (megacólon) em acompanhamento no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e 31 doadores de sangue soronegativos para T. cruzi da Fundação Pró-Sangue (controles), ambos em São Paulo.
“Esse trabalho buscou entender como era a diversidade da microbiota nesses pacientes, especialmente por causa da cardiomiopatia chagásica, porque não tem tanto parasito no coração que justifique aquela inflamação enorme, destruição e fibrose. É um estudo simples, bem inicial e descritivo, e foi um dos primeiros com microbiota do nosso grupo no Hospital das Clínicas. Vimos que a conclusão não é tão simples, mas é interessante”, ressalta a professora Ester Sabino, que coordenou o experimento. Entre os participantes não houve diferença de idade, peso ou altura. Entretanto, o grupo do megacólon foi composto apenas por mulheres, enquanto os grupos com formas cardíacas e indeterminadas eram principalmente de homens. Os hábitos intestinais relatados no grupo controle diferiram ligeiramente dos pacientes com doença de Chagas, independentemente do fenótipo da doença.
Ao comparar os resultados do sequenciamento da microbiota dos pacientes com as formas clínicas da doença de Chagas com o grupo controle, os autores observaram três gêneros predominantes: Bacteroides, Prevotella e Faecalibacterium. Os táxons mais abundantes foram Bacteroides nos grupos controle, indeterminado e megacólon. Já o grupo cardíaco foi dominado por Prevotella, e pacientes com megacólon chagásico apresentaram maior abundância relativa de Rikenellaceae e Odoribacteraceae do que os demais grupos.
No entanto, um dos achados que mais chamaram a atenção dos pesquisadores foi uma frequência relativa do filo Verrucomicrobia significativamente menor no grupo de pacientes com a forma cardíaca, em comparação com os pacientes com a forma digestiva e indeterminada da doença de Chagas. “A bactéria Akkermansia, principal gênero do filo Verrucomicrobia e que aparece em várias outras doenças, estava em menor abundância em pacientes com a forma cardíaca e, aparentemente, está relacionada com o controle da resposta imune”, acentua a professora Ester Sabino.
A abundância de Akkermansia, uma bactéria produtora de butirato, tem sido associada a um intestino saudável e à diminuição da inflamação, tanto em estudos com animais quanto clínicos. O aumento da abundância de Akkermansia também tem sido associado aos efeitos benéficos de uma dieta pobre em proteínas e rica em carboidratos para manter a saúde intestinal. A professora Ester Sabino reforça que alguns estudos demonstram que a Akkermansia também altera a resposta a determinados tipos de câncer.
No entanto, para comprovar se realmente influencia uma resposta do sistema imune é necessário fazer mais estudos, primeiramente em modelos experimentais. “Parece que a bactéria é protetora para uma resposta menos grave, mas precisaríamos de muitos outros trabalhos para sugerir um tratamento. Nosso grupo é de epidemiologia clínica, entretanto, podemos colaborar com pesquisadores que tenham outras expertises para tentar entender essa influência”, sinaliza a professora Ester Sabino.