A dor sem causa específica que atinge o sistema musculoesquelético, compreendido por ossos, articulações, ligamentos e músculos, é um problema comum na população adulta e geralmente não está associada a lesões. Estimativas do Ministério da Saúde indicam que o problema afeta mais de 35% dos brasileiros acima de 50 anos, sendo apontado como uma das principais causas de morbidade e ausência no trabalho. Entretanto, essa condição também compromete a qualidade de vida durante a infância. De acordo com um estudo transversal publicado recentemente no Brazilian Journal of Physical Therapy, aproximadamente 27% das crianças e adolescentes brasileiros sofrem com dores musculoesqueléticas sem causa específica, ou seja, sem uma lesão precedente. Frequentemente subestimada por pais e profissionais da saúde, tais condições precisam de atenção para evitar problemas crônicos futuros.
O impacto da dor musculoesquelética em crianças e adolescentes não é bem definida, e os poucos estudos sobre a prevalência no mundo apresentam dados incertos. No Brasil, por exemplo, a prevalência dessa condição parece variar de 20% a 45% de acordo com dados prévios. Porém, a grande maioria dos trabalhos investigou condições musculoesqueléticas específicas em pequenas amostras e sem identificar os impactos na rotina. Segundo a pesquisadora associada da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e da Universidade de Sydney, na Austrália, Tiê Parma Yamato – que coordenou o trabalho –, esse é um estudo pioneiro. “Nosso objetivo foi determinar a prevalência de um mês de dor musculoesquelética incapacitante em crianças e adolescentes, identificar a região do corpo com maior prevalência e entender as características desta população”, descreve.
O estudo transversal teve participação de 2.688 crianças e adolescentes com idade média de 11,7 anos, de 28 escolas públicas e privadas das cidades paulistas de Itu, Salto, São Sebastião e São Paulo, e de Fortaleza, no Ceará. Todos os participantes tiveram de responder a um questionário nas dependências da escola e sem interferência dos pais, com perguntas sobre a presença de dor no corpo, a região mais acometida e se era capaz de causar impacto na vida cotidiana – como faltar na escola, impedir a realização de atividades do dia a dia e/ou esportivas, entre outras. “A partir das análises, constatamos que 728 participantes (27,1%) relataram ter sentido dor musculoesquelética incapacitante nos 30 dias anteriores. As áreas mais afetadas eram as costas (51,8%), pernas (41,9%) e pescoço (20,7%)”, observa.
Além disso, o estudo trouxe dados importantes sobre as características das crianças que mais relataram quadros de dor. No geral, essas crianças estavam no final da adolescência; reportaram não manter bom relacionamento com a família; apresentavam mais sintomas negativos psicossomáticos, por exemplo, de ansiedade e depressão; tinham pior qualidade de vida (também avaliada por questionários), quando comparadas às crianças que não relataram dor; e passavam mais tempo assistindo televisão e jogando videogame. “Ainda que sejam dados relevantes que podem, possivelmente, direcionar estudos futuros que visam entender como evitar que a população jovem sofra de dores crônicas na vida adulta, temos de compreender que a relação de causalidade da dor não foi o objetivo desse estudo e, portanto, dados encontrados não nos permitem nenhuma conclusão nesse sentido”, reforça a pesquisadora.
Queixa não deve ser subestimada
Os pais também tiveram participação no estudo ao preencher um formulário sobre a perspectiva deles em relação a esse tipo de dor nos filhos. De acordo com a pesquisadora Tiê Parma Yamato, a literatura mostra que os pais tendem a subestimar as queixas das crianças, possivelmente por não possuírem um entendimento claro do que é dor na infância. “Normalmente, os profissionais da saúde se direcionam aos pais para saber quais são as queixas dos filhos quando, na verdade, a partir de 7 ou 8 anos a criança já tem autonomia e condições de perceber e reportar sintomas como a dor e o quanto isso incomoda. Pudemos corroborar este fato em 17% dos casos do estudo”, relata. Portanto, a resposta passa a ser mais valiosa quando a criança responde sem interferência dos pais, como na metodologia utilizada na pesquisa. Outro fator que pode explicar a subestimação dos pais em relação à dor musculoesquelética é a crença popular sobre a ‘dor do crescimento’, que se refere a um incômodo relativamente comum, especialmente nos membros inferiores.
“Embora não tenha sido nosso foco, o que sabemos hoje é que não existe na literatura científica qualquer estudo que consiga comprovar que o crescimento cause dor”, destaca. A pesquisadora alerta, ainda, que quando uma criança relata um quadro de dor é importante validar os sintomas, ter consciência dos impactos associados e buscar auxílio médico para verificar o tamanho do impacto, a duração dos sintomas e quais medidas podem ser adotadas. A equipe deu início a um novo projeto e acompanhou as crianças por um período de um ano e meio para entender o curso da dor e o impacto financeiro dessa condição sob uma perspectiva da sociedade. Os resultados do trabalho, que já foram finalizados, devem ser publicados em breve. O artigo ‘Prevalence of disabling musculoskeletal pain in children and adolescents in Brazil: A cross-sectional study‘ foi publicado em 2024 no Brazilian Journal of Physical Therapy.