De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), os probióticos são definidos como microrganismos vivos que conferem benefícios à saúde do hospedeiro quando administrados em quantidades adequadas. Entretanto, para cada cepa probiótica é necessário avaliar a segurança e a eficácia, bem como desenvolver a análise dos efeitos desses microrganismos na garantia da probiose – ou eubiose –, que significa que as bactérias que compõem a microbiota intestinal de um indivíduo estão em equilíbrio. Nos últimos anos, com o avanço nas tecnologias de sequenciamento e bioinformática que impulsionaram a pesquisa em microbiologia, houve o desenvolvimento de plataformas de análise in silico. Essas plataformas, que utilizam tecnologias ômicas, permitiram que essas cepas fossem caracterizadas como potenciais probióticos. Além disso, possibilitam que os pesquisadores possam identificar fatores genéticos, elucidar os complexos mecanismos que promovem a sobrevivência e a adaptação ao trato gastrointestinal, assim como facilitam os efeitos benéficos desses microrganismos.
“Os dados genômicos têm possibilitado uma análise mais aprofundada dos fatores genéticos e moleculares relacionados aos efeitos da probiose, como atividades antimicrobiana e antifúngica, produção de metabólitos secundários, genes codificadores de compostos bioativos – a exemplo de vitaminas – e genes relacionados à imunomodulação e produção de citocinas anti-inflamatórias”, descreve o professor doutor Vasco Azevedo, professor titular voluntário do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB-UFMG) e professor titular visitante da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O docente também é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e membro correspondente da Lower Saxony Academy of Sciences and Humanities in Lower Saxony Göttingen, da Alemanha. No Yakult International Symposia on Beneficial Microbes, o pesquisador vai fornecer uma visão geral da probiogenômica, suas técnicas e aplicações, explorando fundamentos, avanços e perspectivas futuras.
As análises genômicas associadas a estudos in vitro e in vivo têm sido utilizadas para caracterizar novos candidatos a probióticos e fornecer novos insights sobre os principais fatores associados às características funcionais e de segurança desses microrganismos. Assim, por meio de análises probiogenômicas é possível analisar e revelar a base molecular para a diversidade, interação e evolução de bactérias comensais e probióticas na promoção da saúde do hospedeiro. “Hoje, o isolamento de bactérias que podem ter propriedades probióticas é uma rotina e muitas têm sido oferecidas como probiótico de forma farmacológica, em cápsula ou em algum produto fermentado. E a pesquisa probiogenômica tenta fornecer novas informações sobre os mecanismos moleculares pelos quais os probióticos exercem seus efeitos benéficos”, destaca.
Outra função é auxiliar a identificar as bactérias probióticas que poderiam ser usadas para inibir bactérias patogênicas e resistentes a antibióticos. Para isso, é necessário avaliar se essa bactéria não tem gene de virulência e patogenicidade, através da genômica. “Estamos em uma epidemia de doenças causadas por bactérias resistentes a antibióticos. De 2030 a 2050 deverá morrer muita gente, porque os antibióticos estão perdendo os efeitos exatamente por causa do excesso de uso”, analisa.
Desequilíbrio
Segundo o professor, o microbioma humano passou por mudanças ao longo do tempo. Dessa forma, enquanto no passado os seres humanos tinham um microbioma muito mais completo, com vários gêneros e espécies microbianas diferentes, atualmente há um desequilíbrio que tem levado a inúmeras doenças. Por isso, além de promover saúde, o mercado de probióticos visa corrigir essa disbiose. “Por exemplo, há um trabalho mostrando que a população de Nova Iorque tem um microbioma com menos espécies e uma população menor de bactérias. E isso tem sido atribuído, primeiramente, à falta de uma alimentação saudável, rica em fibras e vegetais. Esses alimentos que contêm prebióticos são a ‘comida’ das bactérias intestinais”, acentua.
Outros fatores que contribuem para a disbiose são o estresse, a poluição e até mesmo o excesso de higiene dos tempos modernos. A teoria da higiene (ou hipótese da higiene) defende que a exposição a microrganismos é necessária para o desenvolvimento do sistema imunológico e sugere que a ausência de exposição a esses microrganismos pode levar a alergias e doenças autoimunes. Para o professor, devido à queda da diversidade do microbioma é que algumas enfermidades têm sido cada vez mais frequentes. Um exemplo são as doenças inflamatórias intestinais, que têm aumentado nos países industrializados.
Nova geração
Atualmente, algumas bactérias fazem parte do grupo Next Generation Probiotics (NGP) (leia mais na página 18). Essa nova geração de probióticos descoberta nas últimas décadas inclui espécies como Akkermansia muciniphila, Eubacterium hallii, Faecalibacterium prausnitzii, Roseburia spp. e Bacteroides fragilis. Assim, há um interesse científico crescente em NGP como bioterapêuticos que alteram o microbioma intestinal. Estudos sugerem, por exemplo, que o grupo NGP poderia aumentar a imunidade gastrointestinal e a eficácia da imunoterapia em pacientes com câncer, manter a integridade da barreira intestinal, gerar metabólitos valiosos – especialmente ácidos graxos de cadeia curta – e diminuir as complicações da quimioterapia e da radioterapia. “Para buscar evidências científicas sobre o potencial probiótico, assim como quais proteínas e mecanismos moleculares estariam relacionados aos seus efeitos benéficos e status de segurança para o consumo, são necessárias análises ao nível genômico associadas com estudos in vitro e in vivo”, acentua o professor Vasco Azevedo.
Em 2022, um estudo da UFMG avaliou o potencial do Lactobacillus delbrueckii subsp. lactis CIDCA 133, uma bactéria com propriedades probióticas e terapêuticas até então relatadas apenas por estudos in vitro. O estudo in vivo demonstrou que CIDCA 133 é uma potencial linhagem probiótica capaz de melhorar danos inflamatórios histopatológicos na mucosa intestinal induzida pelo agente quimioterápico 5-Fluorouracil. Além disso, apresenta propriedades imunoestimulatórias capazes de aumentar a expressão gênica de citocinas anti-inflamatórias interleucina 10 (IL-10) e fator de crescimento transformador beta 1 (TGF-β1), e inibição de marcadores associados à ativação da via inflamatória NF-κB. “Muitos desses fatores genéticos foram identificados por meio de genômica comparativa, em outras linhagens probióticas da espécie, sendo que a proteína PrtB parece ser a candidata-alvo responsável pelas propriedades anti-inflamatórias das linhagens probióticas da espécie L. delbrueckii”, descreve Luís Cláudio Lima de Jesus, autor do estudo de doutorado orientado pelo professor Vasco Azevedo.